domingo, 23 de agosto de 2009

Comptine d'Un Autre Été

Eu não queira que você estivesse aqui, e nem queria estar aí também.

Eu queria que estivessemos em outro lugar, em outro ano, outra década talvez, com outros nomes, em outra cidade, em outra estação.

Queria ser Louise, e que você fosse Pierre. Queria que fosse verão em Londres ou em Paris e que estivéssemos num pequeno apartamento cor de luz de abajour, onde as portas e janelas fossem de madeira e vidro antigos e as cortinas não seguissem um padrão. Onde não houvesse lustres, mas o aquecedor funcionasse bem. Queria uma antiga banheira branca com os pés dourados, e inúmeros e confortáveis travesseiros de pena de ganso espalhados pela cama.
Queria estar de pé olhando a madrugada passar pela janela, vestida com uma de suas blusas e segurando uma caneca de uma bebida quente qualquer. Queria que você acordasse e passasse um longo tempo me observando e tentando compreender como um dia não quis que eu fosse sua. Até que você quebraria o silêncio com um "temos chá?". E como se já soubesse que você estava ali deitado a me observar, me viraria num sorriso e colocaria de volta no lugar, uma mecha de cabelo caída no rosto. Andaria até a cozinha e pisaria descalça no azuleijo antigo recitando em voz alta "Soneto de fidelidade", de Vinícius de Moraes. Faria um chá de canela e chocolate. E enquanto a água esquentava e eu colocava sobre a pia de pedra, duas velhas xícaras de porcelana, me supreenderia com você me abrançando por trás e dizendo no meu ouvido "mas que seja eterno enquanto dure". Uma música noir qualquer começaria a tocar e eu me viraria para te beijar pensando no quanto você sempre odiou poesia.

A trilha sonora da história: Comptine d'Un Autre Été.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Isabella Rossellini


"Porque ela se parece com a Isabella Rossellini.
E eu? Eu pareço apenas eu..."


Ela é tão perfeita que eu nem sei por onde começar.
Ela é inteligente e linda.
Ela fala vários idiomas e faz um curso bacana, ela anda por aí com seu carro legal, com as roupas de seu namorado e com o cabelo que ela mesma corta.
Ela tem fotos em preto e branco e parece mais velha quando necessário.
Se expressa como ninguém em pouquíssimas palavras.
É segura o bastante pra não se sentir obrigada a rir de piadas sem graça.
Faz uma cara de seriedade muito melhor do que a minha e não acha que precisa pintar as unhas toda semana.
Ela não liga pro corpo, e mesmo assim ele não tem nenhum defeito.
Conhece os cantores e os autores e fica perfeita mesmo quando veste as roupas que parecem ter saído do armário de sua vó.
Sua maquiagem não sai depois uma noite inteira dançando. Talvez ela nem use maquiagem.
Ela sabe ser simpática o suficiente para que você a adore, mas não o bastante para que se torne seu amigo.
Ela não morre de amores por ninguém, mas há sempre alguém morrendo de amores por ela.
Ela desperta uma vontade súbita de lançar um elogio, seja pela sua bolsa, seja pelo seu perfume, seja pela sua voz.
Ela não está nem aí.

E ninguém neste mundo, pelo simples fato de existir, me incomoda tanto.