segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Sobre os personagens reais da minha ficção

Hoje me lembrei muito de um menina com sardas dançando junto a uma cortina vermelha no ritmo do vento. A música no ar era sua risada e ela girava com os braços abertos entre os incontáveis metros de pano cor de pôr-do-sol, que voavam por todo os lados num tipo de tentativa de fuga pela janela. E ela não fazia aquilo para comemorar nada em especial. Dançava e gargalhava até cair no chão somente para que, no futuro, na minha lembrança, ela fosse a pessoa mais linda do mundo. Diante daquela cena, eu nao conseguia fazer mais nada além de admirar, com os olhos brilhando, à minha existência se tornando mais bela.

Tal cena me fez contorcer de saudade e o aperto no peito era tão grande que eu mal conseguia respirar cada vez que ouvia a risada da menina. A partir daí surgiram várias outras cenas com vários outros protagonistas, enquanto eu era a coadjuvante da minha vida.

Me lembrei de uma menina vestida de princesa. Ela comemorava seus quinze anos como se chegar até ali fosse mesmo o melhor dos presentes. E era. A intensidade com que ela levava a vida era tão grande que não combinava com seu vestido rosa claro; mas o que importava não era o vestido, era o seu sorriso, que existindo transformava em conto de fadas qualquer existênca ali presente. Mais alta do que todos os outros, ela recebia palmas. Ela merecia. Seus olhos mereciam, cada dente exposto naquele sorriso merecia. No meio daquela multidão em palmas e cantos, pela primeira vez, uma gargalhada me arrancou lágrimas de felicidade e naquele momento (e em muitos outros que viriam) ela era a personagem favorita da minha vida.

Logo depois me veio à mente um garoto, ele era pequeno e magro mas seus grandes olhos azuis eram mais do que suficientes pra tragar seu coração em apenas um olhar. Esse garoto sempre teve o dom de ler minha alma, e em uma dessas tentativas de me desencriptar, transformou para sempre minha vida em um clássico de François Truffaut. Era um corredor escuro, longe de qualquer barulho, cheiro ou reação humana. O garoto apareceu trazendo a quantidade de luz necessaria para que eu me mantesse acordada, mas não o suficiente para me ofuscar a visão; me olhou nos olhos como poucas pessoas têm coragem, abriu um sorriso completamente infantil e me perguntou o que eu estava lendo. Eu não poderia responder, a cena era dele. Apenas retribuí o olhar tentando dizer em silêncio 'por favor, permaneça'. Ele entendeu.

Entre tantas outras pessoas, sons, cheiros, caminhos e sensações, mais uma tarde ainda permanece na memória. Uma tarde dessas que parece ter acontecido em outra vida.

Me lembro que o clima estava ameno, situação incomum para quem vive entre os trópicos. A paisagem cinza misturava o bucólico com o urbano. E naquele dia em especial, o mundo decidiu sair dos meus planos. Me deixou ali, com uma companhia ímpar e mais nada, de uma maneira que quase me convencia que era possível passar o resto dos meus dias assim. Minha vontade de ser coadjuvante nunca foi tão grande. Eu só queria fechar os olhos e ouvir sobre a vida. Era como deixar um garoto diferente desenhar com palavras, como tudo seria dali pra frente. Era um garoto inédito, que me trazia a sensação de que se eu me encolhesse, caberia na palma de sua mão. Que me contava histórias e me apresentava mundos e que muitas vezes esperava uma reação, se esquecendo que reações são tarefas para protagonistas. Entre abraços que definiam o futuro, aceitei o papel.