terça-feira, 9 de junho de 2009

crônicas sobre a mera existência

qualquer um que já me viu andando pela rua sabe que para realizar uma abordagem à minha pessoa é preciso ter um bocado de coragem. impaciente com seres humanos como sou, não ando no meio deles com um semblante lá muito agradável, e não há como evitar, é algo completamente automático e instintivo.

eis que um dia desses estava eu no caminho para o trabalho, às 10 para 8 da manhã, num frio de arrepiar até os cabelos do cu, quando uma indigente me abordou. o primeiro pensamento que veio à cabeça foi: "só mesmo uma pessoa completamente desprovida de sanidade mental para vir falar comigo essa hora da madrugada, enquanto eu praticamente escalo esse penhasco (que as pessoas têm mania de chamar de "morro") para ir até o trabalho.

ok. pelo menos ela não está colocando um caco de vidro no meu pescoço e gritando "dá dez real dona! passa dez real!" como é de costume.

-quem é esse cara?
Tudo o que consegui pensar na hora foi: "WTF??????????????????"
pelo jeito, minha minha cara expressou exatamente o que pensei, porque ela apontou pra parede e disse:
-esse, que sumiu, quem será esse cara?

no muro ao nosso lado tinha um um anúncio minúsculo, menor que uma folha de papel A4, desses que só mesmo uma indigente que anda viajando nos muros da rua iria prestar atenção, dizendo que um anderson não sei de quê estava desaparecido.

já ia começar a falar: "eu tenho cara de quem conhece esse sujeito? a minha cara é parecida com a desse sujeito? eu tenho cara de quem se importa com quem diabos é ou onde diabos está esta porra desse sujeito????????"
porém o que aconteceu é que antes de começar a virar do avesso na frente da pobre, pensei que ela poderia não saber ler. me compadeci e li: "anderson não sei de quê, telefone tal, sumiu tal dia."

pra quê meu deus????? pra quê????? de repente a indigente virou minha melhor amiga de infância e desandou a falar, falava igual pobre na chuva, ou no caso, pobre no frio.

continuei andando, levando em conta que o mundo continuava rodando e independentemente de uma louca ter me abordado na rua, alguém ia me encher o saco se chegasse atrasada.
andando, e ouvindo. ouvindo ela falar que tomara que achem o anderson (porque depois que eu li o papel, o anderson também virou melhor amigo dela. sorte dele que estava desaparecido!), ouvindo ela falar que alguém tinha que chamar a record para anunciarem o desparecimento do anderson, que as pessoas somem, que os rádios anunciam o desaparecimento delas e que ela não fazia idéia de para onde iam as pessoas desaparecidas. a verdade é que ela não devia fazer idéia nem de qual era seu nome.

alguns quarteirões depois eu chego linda na porta do trabalho com minha amiga indigente do meu lado.
-vou trabalhar agora.
-eu vou com você. eu gosto de trabalhar.
(ah é, deve amar mesmo, por isso que tá aí, tão rica!)
-você não pode ir, nesse prédio só entram pessoas autorizadas, para trabalhar aí dentro é preciso uma autorização que você não possui.

eu estava mesmo abasbacada com minha própria paciência, só não tinha mandado pra puta que pariu ainda porque tava cheio de gente lá na porta, e bem, as pessoas de lá já acham os redatores estranhos o suficiente.
olhei pra cara dos seguranças com uma expressão de: "dá um tiro na testa dessa mulher pelamordedeus!!!" mas eles só entenderam: "mandem delicadamente essa mulher ir embora daqui, por favor!" e foi o que eles fizeram, aos poucos conseguiram fazê-la desistir da idéia de ser redatora por um dia.

6 horas de trabalho depois...

estou eu feliz da vida indo embora pra casa, desço as escadas colocando o fone de ouvido, chego na porta do prédio...
...tenho uma síncope e morro porque a mendiga estava lá me esperando. pronto. fim da história!

mentira! não, quer dizer, verdade. mentira que eu morri, verdade que lá estava a senhora indigente me esperando depois de inteiras e longas 6 horas.

-meu jesus! exclamei com os olhos arregalados tirando os fones do ouvido.

imediatamente os seguranças se mijaram de tanto rir.

-a gente passou o tempo todo impedindo ela de entrar. agora o problema é seu.

pensei em sair correndo feito louca, em simular um desmaio (sempre penso nessa), em ligar pra polícia, em voltar e ficar trabalhando o resto do dia e em suicídio. tudo o que consegui foi continuar andando, mas dessa vez de cabeça baixa, fingindo que procurava alguma coisa na bolsa. como se essas táticas fossem mesmo funcionar com uma pessoa completamente desprovida de sanidade mental.

ela se levantou do passeio e veio em minha direção. tudo bem, eu já sabia. e começou a falar de novo. tudo bem, eu também já sabia. resolvi não ligar e coloquei os fones no último volume. até o momento em que ela encostou em mim.

o que?????????????? o que?????????????
aaaaaaaaaahhhhhhhhhhhhh!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
uuuuuuaaaaaaaaaaaaahhhhhh!!!!!!!!!
WHAT THE FUCK?!?!?!?!?!!?!?!?!?!?!?!?!?!?!?!
MAS QUE DIABOS!!! COMO ASSIM CAPETA??? COMO ASSIM??? EU NÃO GOSTO NEM QUE MINHAS ROUPAS ENCOSTEM EM MIM. SAI DE PERTO DE MIM DIABOOOOO!!!!!!
UUUUUUUUUUUUAAAAAAAAAAAAHHHHHHHHH!!!!!!!

se você já assitiu o quadro "amy whinehouse" do pânico sabe como foi a metade da reação que pensei em ter. mas tudo o que consegui foi sentir meu rosto ficar vermelho, minha garganta dar um nó e começar a me sufocar, meu olho arregalar e minha voz dizer:

-olha, eu tenho uma doença de pele muito séria. todo mundo que encosta em mim duas vezes morre.

ok. acho que foi suficiente. ela parou de encostar, mas continuou falando. falando falando e falando... até que chegamos no ponto de ônibus e é claro, ele levou meia hora pra passar. tudo bem, eu já sabia.

de repente, surgiu no ar uma música dessas de trilha sonora de filme que ilustra um milagre, tudo se tornou mais iluminado e lá estava o 1207B.

-agora vou pra minha casa.
-eu vou com você.

ai meu deus do céu, já estava ficando com preguiça de ficar com raiva, vou acabar levando ela pra casa pra matar com uma pá e enterrar no quintal.

e agora, o que eu vou falar com meu pai?
"olha que gracinha o que eu achei na rua pai! a gente pode ficar com ela? por favor pai!"

subi no ônibus e rapidamente falei com o motorista que tinha uma doida me seguindo, que ele não a deixasse entrar. com toda a falta de educação do mundo ele a expulsou do veículo e fechou a porta. ela ainda gritou: "amanhã a gente se vê!"
o ônibus lotado e uma mendiga gritando "amanhã a gente se vê!"
espero que eles tenham pensado que faço trabalho social.

o pior de tudo é horas depois fui pensar que se ela sabia que o assunto do cartaz tratava de um desparecido, então ela sabia ler, ou seja, eu poderia simplesmente ter passado direto.

2 comentários:

Analu Oliveira disse...

esse caso me deu dor na bobecha!
de tanto rir!!!!!!!!!!!!!!!!


hahahahahahahahahahahahahaha

Igor Reyner disse...

Muito boa a história. Desse tipo a gente não tem ainda na família e olha que doido na nossa família é o que não falta, tem para todos os gostos.
Muito prazer, sou o primo querido (não estou mjito certo disto) da Ana Luiza. seu Reyner. Mas pode me tratar por Igor ou o apelido que quiser, tenho uma coleção mesmo. Coleção de doido e de apelidos... Tsc, tsc. Beijo.