quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Brincar de ser feliz

“Durante essas noites nossas rezas envilecem e os corpos exigem gana, tornam-se receptáculos da aventura que guardamos nos bolsos durante todos os outros dias do ano.”


Finalmente passaram-se os 361 dias em que vivemos fantasiando com um emprego melhor, com um par ideal, com um chefe menos mal humorado, com mais tempo para a família, para o cachorro, para um banho de banheira, com mais dinheiro, mais segurança para andar de bicicleta, tomar sorvete, ver o sol nascer, com menos solidão.
Finalmente (e ainda bem) chegou fevereiro no país tropical e todas essas fantasias com as quais sonhamos, serão trocadas pela realidade que quisermos. Durante quatro dias poderemos ser colombinas, pierrôs, homem, mulher, marujo, rei, bruxa, galã de cinema, presidente. Mas o melhor é que todos seremos iguais. Se não tivermos dinheiro para beber champanhe ao lado das principais figuras da TV nos mais luxuosos camarotes das avenidas carnavalescas, iremos até às arquibancadas, ou às ruas, vamos todos nos amar e nos abraçar cantando as canções de alegria “infinita até quarta-feira”. O importante é que todos vivam suas realidades coloridas, que tenham a oportunidade de realizar sua manobra desesperada para fugir da solidão e da ilusão, que acreditem, pelo menos por quatro dias, no riso, na alegria e nos palhaços do salão.
Mas como “todo dia insiste em nascer, todo carnaval tem seu fim”, e assim, tudo acaba em cinzas. Os joão(s) ninguém voltam a ser, ou melhor, a não ser ninguém, os cobradores voltam às portas de seus devedores, o saldo volta a ser negativo, o brilho das roupas é apagado dentro das caixas ou gavetas deixando tudo um pouco mais escuro. Agora, não é mais possível se sentir sozinho no meio da multidão, a solidão então se manifesta em seu estado mais real, quando verdadeiramente não existe ninguém pulando, cantando e sorrindo ao seu lado, nem uma música muito alta ou alegre com o fundo composto por mil tambores e trompetes. E então a solução é guardar, de maneira segura, de volta em nossos bolsos, toda a sorte de aventuras que só podemos exercer nos alegóricos dias em que comemoramos a possibilidade de libertar aquele desejo que se encontra dentro de nós esperando o próximo fevereiro chegar para nos dar uma amostra do quanto pode nos fazer felizes.
E depois disso...
...A realidade idealizada se torna obsoleta da noite para o dia, já não é mais cabível ao cotidiano, e então, é preciso voltar a viver de fantasia.

*Escrito em 11 de junho de 2008



Este ano, parece que esse pavoroso feriado passou sem me causar maiores desgraças. Parece!

Um comentário:

Analu Oliveira disse...

Esses dias ainda eu estava conversando, acho que foi com meu pai, e falavamos de como o carnaval é uma festa universal, socialmente falando!

Texto bem guardaddo hein!
Gostei...! :)

beijocas...